quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

ARTIGO - Beber ou não beber, uma reflexão sobre o sacerdócio



Viagem para Entre Rios, interior da Bahia. Eu e minha esposa Leila estávamos indo visitar seus avós. Levávamos junto conosco uma novidade. Agora eramos “crentes”. Seus avós, membros de uma tradicionalíssima igreja da Assembleia de Deus não poderiam estar mais alegres. Minha esposa era muito próxima a eles, mas, durante a adolescência, como muitos outros jovens, seguiu caminhos longe da fé.

No entanto, sua avó, a saudosa D. Domitilia, não desistiu de orar e aquele momento para ela era a resposta de Deus ao seu incessante clamor. Eu, por outro lado, não tinha nenhuma tradição evangélica. O mais próximo que cheguei da doutrina foi em meu tempo como Testemunha de Jeová, que havia sido uma das minhas experiências espirituais, antes do espiritismo, sei-cho-noiê, esoterismo… Ou seja, que teve de quase tudo um pouco e que explicarei em outro texto, se Deus permitir.
Bom, voltando à nossa viagem, era o primeiro encontro familiar como crentes batizados. Chegamos entre abraços e alegria, sempre com muita atenção daquele povo humilde e acolhedor. Depois, Leila ficou com os avós e eu saí com um tio dela. Dia quente, final de tarde, sentamos em um barzinho e, sem nenhuma cerimônia, pedi uma “gelada” e tomei. Imagina o bafafá!

Logo surgiu o comentário que o esposo “crente” da neta de Dona Domitilia e seu Zuza, estava bebendo à vista de todos. Os velhinhos ainda tentaram contemporizar: “É novo convertido”, há que ter paciência, e muita…

Durante um bom tempo em minha caminhada em Cristo eu não via problema em fazer uso de bebida alcoólica, em parte fruto de minha vivência com os Testemunhas de Jeová, em parte por não encontrar nenhuma base bíblica sólida que me convencesse. Eu achava que se fosse moderado não havia problema algum.

Depois do quase constrangimento em Entre Rios eu passei a ser um pouco mais discreto, não queria ter que aturar dedos apontando para mim por algo que eu próprio não enxergava como errado ou mal. Passei a beber em casa, normalmente um vinho acompanhado de um bom tira-gosto. Aqui ou ali, bebia alguma coisa em público.

Minha convicção sobre o tema era tão forte que cheguei até mesmo a ensinar meu filho assim, o que causou polêmica quando ele expressou essa opinião em plena aula da EBD dos adolescentes. Nem imagino a dificuldade que deve ter sido para o pobre servo do Senhor que estava à frente daquela EBD, acho que ele deve ter desejado meu escalpo naquele dia. Ser professor de jovens e adolescentes definitivamente é para os fortes…

Mas eu nunca fui muito de me importar com opinião dos outros, sempre defendi o que considero verdade e sempre fui de ter opiniões firmes, e assim me mantive durante anos e anos. Não fazia apologia de nada, nem incentivava ninguém a seguir meu comportamento, mas continuava em paz com a minha consciência e com minhas discretas práticas etílicas.
O Ponto de Virada

Só que conheci uma pessoa. Uma pessoa bondosa, amorosa, compreensiva, paciente e convincente. Seu nome: Espírito Santo. Não que eu não o conhecesse ou que Ele não estivesse comigo, mas depois do que aconteceu comigo em uma vigília que causou uma revolução absurda em minha vida, algum dia falo com mais detalhes sobre isso, eu passei a ser mais sensível à sua voz.

Um dia, lendo a Bíblia, e eu sou do tipo que gosta de ler e estudar a Bíblia toda, de preferência sem comentários de rodapé para não sofrer influencias que tirem a fluidez daquilo que leio, eu me deparei com uma passagem, aparentemente banal, no livro de Levíticos lá no capítulo 10. Era um dos únicos relatos bíblicos de Deus falando diretamente com Arão e não com Moisés. Nele, o Senhor fala com o sacerdote Arão depois da morte de seus filhos Nadabe e Abiú que levaram “fogo estranho” para o tabernáculo e foram fulminados. O texto fala assim:

“Vinho ou bebida forte tu e teus filhos não bebereis quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será isso entre as vossas gerações, para fazerdes diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo e para ensinardes aos filhos de Israel todos os estatutos que o SENHOR lhes tem falado por intermédio de Moisés.”

Eu ali, “de boa”, fazendo meu estudo devocional em um dos livros mais áridos da Bíblia e quando este texto ganha destaque e uma voz, a daquela pessoa que falei agora a pouco, fala em meu coração:

“Você é sacerdócio real e templo do Espírito. Se na antiga aliança, que é apenas sombra das coisas futuras, um sacerdote, quando em serviço, não podia fazer uso de nenhuma bebida alcoólica, como é que você que me serve 24 horas por dia e que é templo onde eu habito, considera não haver problemas em prestar este serviço para mim tendo sua sensibilidade alterada pelo álcool?”

Sei que alguns dizem ter experiências arrebatadoras e que ouvem Deus como se estivesse ao seu lado conversando audivelmente. Este não é o meu caso. Muitas vezes eu não conseguia discernir se era Deus falando ou era apenas intuição ou doideira minha, já que sou meio louco mesmo.

Só depois de um tempo sendo ensinado, aprendi que quando esta voz interior me leva a fazer algo contra a minha própria vontade natural e a ser mais próximo de Deus em amor, perdão e renúncia, não há dúvida: Deus está falando. E foi isto que experimentei naquele dia, fazendo minha prosaica leitura bíblica.
Me aprofundando no Assunto


À medida que fui estudando com esta nova ótica fui vendo que há um ideal cristão de vida. Existem coisas que não são pecado, mas que deve ser alvo de conduta para nós. Por exemplo, você não encontrará nenhuma passagem bíblica condenando diretamente a poligamia, mas não há dúvidas que o ideal bíblico para o povo de Deus é que cada homem tenha uma, e só uma, esposa e cada esposa possua um único marido. Este mesmo princípio eu aprendi que vale para o uso de bebida alcoólica. O ideal cristão é a abstinência.

Isto está expresso na primeira carta de Paulo a Timóteo, quando fala que presbíteros e diáconos não devem ser chegados ao vinho. Embora o termo grego em si possa ser traduzido de forma mais branda, para mim é claro que se trata de uma recomendação à abstinência. Pois veja bem, na mesma carta Paulo recomenda a Timóteo que deixasse de beber apenas água e tomasse um pouco de vinho, não para fins recreativos, mas como remédio. Ora, se Paulo se dá ao trabalho de recomendar a Timóteo que beba vinho, ainda que em pequena dose e para uso medicinal, a conclusão lógica é que o seu filho na fé não fazia uso de álcool.

Para mim parece óbvio Timóteo seguia exatamente o que fora recomendado anteriormente como virtude necessária para pastores e diáconos e Paulo estava lhe abrindo uma exceção por conta de suas constantes enfermidades, notadamente no estômago, em uma época em que pouco se sabia sobre remédios e se acreditava no poder terapêutico da bebida alcoólica. Não haveria porque escrever em uma carta, com todo o custo e trabalho que era escrever e enviar uma carta na antiguidade, para recomendar aquilo que já era praticado normalmente.

No livro de Jeremias, os recabitas também fazem um voto de abster-se de qualquer bebida com álcool, tanto eles quanto suas esposas e filhos, e isto foi agradável a Deus que, mesmo após condenar todo o Judá, abençoou os sóbrios recabitas prometendo que eles sempre teriam um descendente para servir ao Senhor.

Além dos sacerdotes em serviço no templo, a Bíblia relata outros momentos onde se proibiu o uso de qualquer bebida alcoólica para homens que foram consagrados para Deus desde antes do nascimento. É o caso de Sansão que tinha o voto de nazireu que possuía como uma das exigências o abster-se de álcool. Isto era tão importante que o anjo do Senhor estendeu esta imposição à mãe. Além dele, João Batista, já no novo testamente, que era cheio do Espírito Santo desde o ventre materno, também foi orientado a não tocar em bebida alcoólica de nenhuma espécie. Para mim Sansão e João Batista, consagrados desde o ventre da mãe, são protótipos do ideal de vida cristã e apontam para nós que experimentamos o novo nascimento no Espírito Santo em Cristo Jesus.
Exercendo Sacerdócio no Templo do Senhor


É bem claro que o ideal cristão é andar de “cara limpa”, o que concorda com o que a Bíblia fala sobre um aspecto do fruto do Espírito chamado domínio próprio. Certa vez li que qualquer quantidade de álcool ingerida, por mínima que seja, diminui os reflexos da pessoa, fazendo com que ela não tenha plenas condições para dirigir. O texto diz que não se deve beber nenhuma bebida alcoólica antes de dirigir porque o ato de guiar um carro exige pensamento rápido e muita atenção. Não sei quanto a você, mas eu considero muitíssimo mais necessário ter pensamento rápido e redobrada atenção nas coisas espirituais que nos influenciam todos os dias, o dia todo.

A ciência deste mundo caído, amigo dos exageros e do hedonismo, afirma que ao beber você não está cem por cento no controle de suas ações, ainda que seja simplesmente para guiar um carro. A expressão traduzida como domínio próprio na carta de Paulo aos Gálatas significa exatamente estar no controle de si mesmo, se você não tem cem por cento de controle sobre si mesmo para guiar um carro, como pode julgar ter controle para travar batalhas espirituais como sacerdote do Senhor e soldado a serviço do Rei dos Reis?

Hoje não faço uso de nenhuma bebida alcoólica. Mas, vejo que a questão é saber o quanto eu desejo ardentemente estar cem por cento no controle de mim mesmo para poder entregar cem por cento deste controle para o meu Senhor e apreciar o agir Dele em minha vida.

Se aqueles sacerdotes que Ele levantou para servi-Lo em seu santo templo, mesmo construído por mãos humana, deveriam estar cem por cento sóbrios, muito mais é exigido de mim agora, pois eu sou sacerdote de Deus, eu sou o santo templo do Senhor. É isso que tenho vivido e ensinado às ovelhas que Ele me confiou.

Denilson Torres

Fonte: Gospel Prime

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